Friday, August 22, 2008

'Nunca tinha me sentido tão humilhada', diz estudante barrada na Europa


Patrícia Magalhães, de 23 anos, deveria participar de um congresso de Física.
Ela diz que ficou três dias presa no aeroporto de Madri e fala em preconceito.


Carolina Iskandarian/G1
Estudante diz que teve de comer no chão por falta de lugar (Foto: Carolina Iskandarian/G1)


Às vésperas de completar 24 anos, na próxima quinta-feira (21), a estudante Patrícia Camargo Magalhães quer esquecer os últimos dias de sua vida. Ela conta que passou três dias presa na Espanha, foi "devolvida" ao governo brasileiro e perdeu a chance de apresentar seu trabalho em um congresso internacional de Física. Segundo ela, as autoridades espanholas não aceitaram a documentação apresentada e não acreditaram que ela é uma pesquisadora.

"Nunca tinha me sentido tão humilhada. Senti na pele um preconceito que nunca senti em um país que eu achava ser desenvolvido. Eles são muito mais atrasados do que pensam. Estão na Idade Média", atacou Patrícia, em entrevista ao G1 nesta quarta-feira (20). Os problemas da jovem, que estuda na Universidade de São Paulo (USP) e já prepara sua dissertação de mestrado, começaram dia 10, quando ela chegou a Madri. A história foi publicada na edição desta quarta do jornal "Folha de S.Paulo".

No aeroporto, ela foi parada no setor de imigração. Depois de horas de espera e de entrevistas, descobriu que ficaria detida em uma sala do terminal. Mesmo carregando um tubo com dois pôsteres científicos com a identificação dela e da universidade. Durante os três dias em que passou no cômodo de aproximadamente 50 metros quadrados, ficou sem tomar banho, sem escovar os dentes e sem usar desodorante. Comia no chão por falta de lugar, conta. "Eles alegaram que eu não tinha toda a documentação pedida, como a reserva do hotel. Pediram o convite do congresso, meu extrato da conta bancária, meu cartão de crédito. Queriam até contar o meu dinheiro", afirmou.

"Pessoa inferior"
No mesmo dia em que foi detida, Patrícia deveria embarcar para Lisboa, em Portugal, onde aconteceu o congresso que reuniu pesquisadores de todo o mundo. Ela havia escolhido o vôo para Madri por ser mais barato. Apesar de achar que foi vítima de preconceito por ser latino-americana, ela ainda não sabe ao certo o que motivou sua prisão na Europa.

"Juntou o fato de eu ser mulher, de eu não ter a documentação do hotel. Uma vez que caí no processo imigratório, não tem volta. Se você é latino-americana, independentemente de quem seja, é vista como uma pessoa inferior", disse ela, que chegou ao Brasil dia 12.

A estudante conta que ainda tentou argumentar, alegando que não queria migrar e trabalhar na Espanha, mas foi em vão. Reclamou ainda do abandono de que afirma ter sido vítima. "Eu me senti abandonada pelo governo brasileiro". Patrícia também lamentou ter perdido o congresso. O trabalho que apresentaria sobre amplitude de ressonâncias escalares estava sendo preparado havia um ano. "É uma frustração por ter sido um trabalho tão duro. Eu perdi muito porque ia poder conversar com outros pesquisadores da área, tirar dúvidas", contou a estudante.

O G1 não conseguiu localizar ninguém no Consulado da Espanha em São Paulo na tarde desta quarta-feira.

Socorro
Um dos primeiros a tentar ajudar Patrícia foi o orientador dela, o professor titular Manoel Roberto Robilotta, do Instituto de Física da USP. De Lisboa, no congresso, ele soube do caso e ali mesmo enviou um fax ao consulado brasileiro em Madri e à polícia espanhola. O hotel em que Patrícia ficaria hospedada fez o mesmo. Via fax, tentou avisar as autoridades de que se tratava de um engano. Segundo Robilotta, até o organizador do congresso mandou um e-mail para os policiais, conta ele. "Era tudo tão absurdo que achei que ela seria logo liberada", disse o professor.

Robilotta reclamou do descaso por parte da representação brasileira na Espanha. "É um descaso muito grande. É um absurdo tentar contatar um consulado em caso de emergência via fax e não houve nenhum contato de volta da parte deles", afirmou Robilotta, que lamentou pela sua aluna. "Esse congresso não vai ter mais. O jovem conhece e é conhecido. É uma iniciação na comunidade internacional e a Patrícia foi proibida de ir".

2 comments:

Anonymous said...

Esse texto reforça nossa campanha em favor de um Estado do Emigrante e de um ministro da Emigração e nisso se incluem os parlamentares emigrantes. Porque nesse texto fica claro que a vítima da violência não teve apoio nenhum do Consulado local. Ora, os consulados são o equivalente aos nossos cartórios no Brasil e ninguém vai esperar que escrivão vá na delegacia tirar preso. E as embaixadas têm função de repre sentação do Brasil.
Por isso, precisamos ter nós mesmos a nossa representação, sermos independentes e autônomos, para adminsitrar a questão emigrante. Só nós emigrantes sabemos onde o sapato aperta e discordamos de toda ação baseada em pedir ao Ministério das Relações Exteriores que não tem nem verba nem como função principal ajudar emigrantes.
Vamos ser realistas e lutar pela nossa autonomia, esquecer os egos, as Ongs que querem dirigir o movimento emigrante e reforçar o projeto do Estado do Emigrante.
Grande abraço.
www.estadodoemigrante.org www.brasileirinhosapatridas.org

Anonymous said...

Gostaria de saber qual seria a atuação do Estado do Emigrante neste caso concreto dos aeroportos.
Digamos que existe um Estado do Emigrante, seja lá=2 0o que isto for.
O funcionário deste Estado no país ou cidade onde se situa um determinado aeroporto apresenta-se às autoridades no mesmo para interceder pela(o) cidadã (o)
Brasileiro? Ele terá este estatuto de representação oficial do Estado brasileiro? Pois como sabem as autoridades da Espanha, por exemplo, ou qualquer outro país europeu só aceitariam falar num caso destes com uma autoridade do país de origem ou, em caso excepcional, com uma associação ou mesmo ONG ou a Ordem dos Advogados da sociedade civil da Espanha.
Qual a natureza e estatuto das relações entre o Estado espanhol, as autonomias, as prefeituras com o Estado do Emigrante, na gestão e diálogo sobre os problemas das mais diferentes ordens relativos aos imigrantes brasileiros na Espanha.
O Estado do Emigrante vai substituir funções consulares? Se sim, quais?
Quais seriam as instâncias do Estado do Emigrante. Teria orçamento próprio, funcionários, um governador eleito, secretariado por país ou por assunto? Note que há emigrantes brasileiros em muitas dezenas de países em número expressivo, que teriam direito a serem democraticamente representados.
Ficam estas dúvidas, que esclarecidas, serão uma contribuição para entendermos bem a sua proposta.
A propósito, o Rui Martins é representante de alguma associação ou entidade formalmente constituída na Suiça?
Ou só é o animador desta proposta através dos diversos meios de divulgação, como esta rede europeia?
Embora não concorde com a sua proposta, também por que tenho dificuldades de percebê-la na prática, respeito-a e agradeço os esclarecimentos.

Cordialmente
Carlos Vianna
Ex-presidente da Casa do Brasil de Lisboa